domingo, 25 de maio de 2008

"Sanctus Espiritus, insanity is all around us"


Domingo, 25 de um maldito Maio- o Maio que me fustiga ano após ano com mais uma celebração da vida e que este ano me presenteou com melancolia quase suicidaria - deste penoso ano de 2008.

Estava na estação do metro na linha verde, a espera desse vagabundo que por norma teima em atrasar 7 a 10 segundos!

- Chegou,(...) direita ou esquerda? - pensei. Direita!

Sentei-me! A minha frente estavam, duas senhoras idosas. A do lado do corredor, tinha o aspecto mais normal de uma idosa portuguesa, de quem vive em harmonia com a vida. Quase que conseguimos adivinhar, família tradicional portuguesa, com netos, reforma de funcionária publica, come batatas com bacalhau na noite de consoada e tem quase de certeza uma casa rural em Mangualde ou numa outra localidade da Beira.

A do lado da coxia, não era uma vulgar idosa dos nossos dias que se passeiam pelos transportes públicos da capital. No momento em que mirei aquela Senhora, tocava no meu mp3 "Sanctus Espiritus, redeem us from our solemn hour, Sanctus Espiritus, insanity is all around us", e pensei: - não, não entrei num filme e nem estou a ver aquelas personagens caricatas de classe baixa típicas do universo de Almodôvar!

Jurei naquele instante- "não vais olhar para ela e fazer aquela cara de sarcasmo que o teu pai te ensinou cada vez que lhe pedias um pacote de batatas fritas!"

Mas fiz e rapidamente me apressei abrir o Expresso! Ah, já agora ela chama-se Amélia de Orleans, disse-me ela!

Descreve-la será no mínimo hilariante: Terá com certeza 67 anos, cabelo curto encaracolado, pele escura e muito engelhada da idade. Ostenta um porte digno de Amélia de Orleans, mas possui um distúrbio mental digno de respeito e direito a um acompanhamento.

Trazia no corpo um vestido de gala, longo de um cor de rosa puro, com rendas rosa e alguns adereços a complementarem a beleza das vestes. Uma mala de brilhantes, e jóias! Muitas Jóias. Mas a que sobressaia , era a belíssima safira que o colar dela tinha. Grande e de um azul ofuscante, que se confundia com a cor do mar. Cor essa que por sinal era a dos olhos da Amélia.

-"Estas a ler o quê?"- perguntou-me com um sorriso

-"o Expresso!" respondi com vergonha.

-"Eu estou a ler a palavra do Senhor. Acreditas em Deus?"

-"Acredito! mas não nesse Deus que a Senhora lê nessa revista. Esse é charlatão, esse consome-nos o dinheiro, a felicidade e cria demência à nossa volta!"- Ela lia uns folhetins da IURD, daquela incrível máquina de lavar dinheiro e de pegar nos reprimidos da sociedade e colar-se a eles como carraças, só que estas carraças consomem dinheiro!

Contudo, não se ofendeu, apenas respondeu - "-pelo menos estes iludem-me e prometem-me a salvação"- e eu não quis responder mais.

Baixa Chiado

Amélia de Orleans desfilava na estação do metro convencida que é a reencarnação viva da nossa última Rainha. Claro está que com a sorte que me é habitual, ela sentou-se ao meu lado enquanto esperávamos pacientemente pelo metro na linha azul.

Podia ter saído dali, ela cheirava mal e ninguém me olharia com bons olhos sentado ao lado daquela miserável mulher.

Levado pela minha sensibilidade que por estes dias tem estado afiada, deixei-me estar! Ela perguntou o meu nome: "- Luís"- respondi, foi então ai que ela se apresentou como Amélia de Orleans, ao qual eu ri e disse-lhe por muito que tenha algumas semelhanças com a Rainha, essa já morreu.

" - Está viva e sou eu, não vês meu filho!"- naquela hora pensei, maldita monarquia republicana que escravizas esta gente a mendicidade e não tratas os loucos com respeito.

Chegou o metro, e eu levantei-me, mas ela ficou sentada. Tive vontade de a fotografar, mas a dignidade dela merece que eu não devasse a sua privacidade nem deitasse a sua imagem à chacota das pessoas que vão ler isto.

Não que haja muito interesse neste meu contacto com esta mendiga, que para alem de padecer de distúrbios passa fome com certeza e não vive no palácio da Ajuda.

Mas infelizmente a insanidade está por todo o lado. Será que o Deus dos Católicos está a perder créditos e está deixar que outros Deuses ocupem cota de mercado, atacando nestas pessoas? E os outros Deuses, será que habitam em casas palacianas e passeiam pelo Reino dos Céus em grandes coches à conta destes fies mendigos a quem lhes cobram a dízima.

E a monarquia? ou a República, esqueceu os seus súbditos e não dá tratamento a esta gente que apesar das loucuras e infelicidades que carecem, merecem respeito, dignidade e tem honra.

Que Estado Social de Direito é este? Que Portugal é este, que não dá um prato de comida, um banho e um sitio limpo para esta gente viver. Onde estão as politicas sociais que tanto conquistam votos, mas que esquecem estas "rainhas" que passeiam pela capital do reino esganadas de fome, sedentas de justiça social! Afinal quem será mais medíocre? A Condição social da Amélia ou a ignorância de Um Estado ou de Deuses que não querem ver esta gente.

Pela primeira vez na vida senti vergonha de ser português, senti vergonha de ser crente numa religião e vomitei "parlapié" politico e religioso que os nossos carismáticos lideres debitam.

Eu não vou mudar o Mundo, mas também sinto repúdio pelo mundo que continua a maltratar os " reis e rainhas" da miséria.

Sem comentários: